segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Os Pobres


Triste existência sem ódio e sem gritos. A vida não na entende e recebe cada empurrão com o ar espantado e aflito de quem não compreende. Que mal fizera? Que mal fizera? Pois a desgraça faz rir? O sofrimento faz rir?
E em torno as bocas escancararam-se, ao verem-no gordo, pedinchão e grotesco. Há seres que nascem com esta sina - amargar a vida. Tudo lhe corre torto, até as coisas mais simples, as coisas que para os outros nem sequer existem. Em que hora aziaga encontrou a má sorte que nunca mais o deixou? A desgraça escarrancha-se no pescoço de certos homens. E é para sempre, para toda a vida! Nunca mais os larga. Viera a quebra, aflições ainda mais negras que o coração dos outros. Enganavam-no com a alegria de o verem rebaixado e perdido, empurrão daqui, empurrão dali, aos tombos por esse mundo. E ele punha-se a olhar para a desgraça, atarantado e estúpido. Que mal fizera para sofrer? E mesmo a chorar, a sua máscara, de cabelos brancos estacados, fazia rir.
Era dessas criaturas a quem um montão de desgraças torna ainda mais ridículas: a ruína, a miséria e a fome. Enlameado pela vida fora, resignado e chorão, ele aí vai...

[Sobre Gebo, um dos personagens mais comoventes criados por Raul Brandão]

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